tavira/monte seco, 1987

A neblina havia escondido o mar.. Da janela do estúdio parecia que a própria neblina era o mar; havia ondas de nuvem. À noite não se seguiu o dia mas um limbo enevoado. O estúdio estava impregnado de um perfume semelhante a rosas, embora não houvesse rosas no jardim. Foi o que lhe disseram. “É o meu perfume que sentes em tudo”, sussurrou Francesca. Tinham passado as últimas cinco horas no trem para o Algarve, agora os avós de Francesca mostram-lhes o quarto em Andrei irá dormir e o estúdio onde poderá escrever toda a noite, se quiser. Ainda há pouco, quando Francesca se recolheu, ventava — um vento frio que entrava sabe Deus por quais interstícios e reproduzia no aposento a turbulência interior. E todavia tudo está quieto, é absoluto o silêncio. Nunca dormiram separados na mesma casa e isso era consolo. Pode pensar até a hora do café sobre o que fazer para desfazer essa situação. Quem sabe diga a ela sobre não se verem mais· Se ela tem essa preocupação com relação a seus avós, é sinal de que deve tentar restaurar seu casamento. Impossível não sinta nada por Franco e se sente deve se esforçar.
Depois do café, estavam no centro histórico de Tavira, no quarto de um hotel próximo ao centro histórico de Tavira. Estava muito bem disposta depois de uma noite maravilhosa de sono abraçada ao quilt que a avó guardava para suas visitas. Sempre semelhante a um anjo de luz, sentou-se na beira da cama. Ele ensaiou um olhar sedutor mas desfez o olhar, como um cachorro que engole o rosnado ao não perceber ameaça num ser humano.
Agarrados ao guarda-corpo de ferro, escutando o fado dos músicos de rua na outra extremidade da ponte, o horizonte se ocultava atrás dos telhados orientais, inclinados, de quatro águas ou de tesoura. Ali o rio muda de nome e será Gilão até desaguar na Ria Formosa. No Jardim do Castelo uma mulher de tranças tocava um requiém no acordeon. Sentados num banco do qual se via o pôr-do-sol atrás do coreto, comentaram que devia ser a filha que Aben-Fabila, o governador mouro, encantou quando Tavira foi conquistada pelos cristãos. ao sairem do restaurante de mãos dadas, ela rindo propôs-lhe sentarem num banco à beira-mar, e foram. Ao voltarem ao centro histórico, Francesca se adiantou uns passos, entrou sozinha na igreja paroquial e persignou-se ajoelhada. Andrei acabara de dizer que não gostou muito da sardinhada, por causa do cheiro. Ela não sabe por que ama assim um parvalhão desses. No jardim do coreto ela pensou em falar sobre o tio de Luanda que estava na casa de seus avós. Que gajo. Negocia diamantes. Podia ter pedido alguma função para Andrei no negócio, mas não daria certo. Andrei nunca transgrediria uma lei, acha melhor morrer à fome.
De volta ao hotel antes de voltarem para Monte Seco, Francesca contou que participará de um concurso de equitação nos próximos dias na Espanha. Precisa antes encontrar um amigo, Miguel, o dono do animal.
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